ANOS 90, ANOS DE FÚRIA: MOVIMENTO
ANARCO-PUNK DO RJ vs. ECATOMBE.
Para quem me conhece de longa data, sabe que na primeira metade dos anos
90 vim a ingressar no Movimento Anarco-Punk do Rio de Janeiro, ou MAP/RJ. Mas
os motivos pelos quais entrei para tal grupo sempre ao meu ponto de vista foram
ignorados por todas as pessoas que viveram tal época e até mesmo, porque se
importariam em saber? Naquela época, eu já conhecia um pouco do Punk, conhecia
algumas pessoas que já haviam participado e ouvia tudo que contavam. Eu achava
foda! Depois vim a conhecer algumas pessoas ligadas ao MAP/RJ, conheci os
integrantes da banda V.N.S. (Vumitando No Sistema, com “U” mesmo e que apenas o guitarrista Maluco era do MAP/RJ) e também vim
a conhecer pessoas da turma da Ecatombe e todos bebíamos numa boa.
Resolvi entrar para o MAP/RJ, depois de uma festa junina na Penha, onde conheci
alguns punks do MAP/SP, entre eles, o Valo Velho, punk dinossauro do movimento
paulistano e que me contou relatos sobre as atividades e trabalhos ligados ao
teatro promovidos pelos punks. Como eu já havia participado de um grupo e um
curso de teatro, fiquei encantado pela idéia de unir o Punk ao Teatro e
realizar esta idéia aqui no Rio. Por muito tempo, durante a minha passagem no
MAP/RJ, escrevi e tentei mostrar textos e poemas para as pessoas mas, não havia
interesse.
Outro problema encontrado, é que quando entrei para o MAP/RJ, segundo Maurício,
vocalista do V.N.S., coisa que eu não deveria ter feito, deveria ter ficado
neutro, era que já havia uma guerrinha entre o grupo e a Ecatombe, onde como já
disse, haviam pessoas que eu já conhecia. Enfim, depois da notícia espalhada,
passei a ser mal visto por muitos e até mesmo a ser hostilizado em várias
ocasiões e até então, eu nada fizera de grave para merecer isso. Ao contrário,
junto com o Morto e alguns MAPs mais novos, defendi que deveríamos buscar uma
aproximação e entendimento com a galera da Ecatombe, coisa que chegou até a
acontecer por um minúsculo período quando o MAP chegou a ir na Praça Saens Peña
conversar com eles. Poderia ter dado certo, porque o ponto de divergência
principal era que alguns membros da Ecatombe mantinham relações com membros do
grupo Carecas do Brasil e isso, ao ponto de vista do MAP/RJ, não correspondia
ao ideal libertário do punk. Um pouco mais de paciência, um pouco mais de
informação e um pouco mais de tolerância, teriam ajudado a transformarmos o
movimento punk do Rio de Janeiro em algo maior, mas não foi isso que aconteceu. Porque ao nos afastarmos deles, davámos oportunidades dos Carecas se aproximarem mais! E nem todos da Ecatombe mantinham relações com os Carecas, inclusive, muitos que lá estavam, hoje lutam contra os ideais Carecas. O tempo informa!
Toda vez que estávamos avançando nessa aproximação, o Anastácio, que pensava
ser o líder do MAP/RJ, fazia algo para estragar tudo, ele dava uma entrevista
para um jornal ou aparecia na Rede Manchete, no programa da Márcia Peltier (nem
sei se tá certo o nome) e falava mal dos caras em uma roupa suja (sem
trocadilhos) desnecessária. Ele inclusive, era o responsável pela "queimação de
filme" da Ecatombe em correspondências com punks de outras localidades e esses
mesmos punks, depois falavam pro pessoal da Ecatombe o que o “MAP/RJ” falava
deles! Aí, era ódio novamente em vez de entendimento! Essa merda acontecia
sempre e acabava que havia reações da parte da Ecatombe e reações físicas de
alguns membros mais exaltados que não queriam ser taxados de ganguistas ou
fascistas. Mas essas reações não atingiam quem de fato as mereciam, pois nada
acontecia com o Anastácio, o verdadeiro Anti-Punk aqui do Rio de Janeiro! Quem
sofria essas reações eram eu e as outras pessoas que buscavam um entendimento,
porque éramos nós que estavamos sempre mostrando a cara por aí! E numa data de
94, em um show promovido pelo Lobo(falecido vocalista da banda Reprecaos) em
Anchieta, tentaram me juntar e me moer! O pessoal do V.N.S. que não deixou
junto com amigos meus de Caxias. Fiquei puto!
Logo em seguida veio o Encontro Punk de Lavras, MG, e lá fomos nós, eu &
Morto! E no ônibus encontramos alguns punks da Ecatombe, cuja a maioria eu
falava com eles e mesmo sendo inocentes ao que aconteceu em Anchieta, eu não
quis conversar com eles, estava puto! Magoado com o grupo deles e não queria
saber deles naquele momento. Mesmo assim, eu e Morto determinamos a não
queima-los em Lavras, a nossa postura era que eles ficassem do lado deles e nós
do nosso, sem envolvimento e foi isto que ocorreu do momento em que pisamos no
solo daquela cidadezinha mineira e maneira!
Foi a princípio, um dia memorável, conhecíamos e encontrávamos punks de
diversos estados e bebíamos bem, tudo estava correndo na paz e mesmo quando
alguém vinha nos perguntar sobre os outros punks do Rio que estavam lá, nós
falávamos que eram da Ecatombe, algumas pessoas diziam “Mas eles não são
fascistas? Eles não perseguem vocês lá no Rio? Vamos pegá-los!” e todas as
vezes eu e Morto dizíamos que “ Não, deixem eles na deles e vamos ficar na
nossa.” E foi assim, durante o dia inteiro que tudo transcorreu, sem confusões
entre os dois grupos. Quem esteve lá pode confirmar isso.
Mas em termos de punk, alguma merda sempre tem que acontecer para estragar o
dia e no fim do dia quem chegou à Lavras foi o Anastácio, o Anti-Punk do
MAP/RJ! E foi ele chegando que as coisas começaram a mudar de figura por lá.
Começou com o enquadramento de um cara que vendia camisas de bandas de Rock e
entre elas estava uma camisa da banda punk The Exploited, que muitos com ou sem
razão, acusam de fascistas até hoje. Falaram essas estórias com o cara e
determinaram fazer uma vaquinha para comprar a camisa e destruí-la. Eu estava
com dinheiro mas não dei um centavo sequer para este tipo de manifestação
ignorante e desnecessária, onde alguns tiraram dinheiro do bolso que poderiam
utilizar para finalidades mais úteis e compraram a camisa para pisotear, rasgar
e queimar em um ritual animalesco e infantil! Tal atitude jamais chegaria ao conhecimento da banda e ao meu ponto de vista, foi dinheiro e energia gastos em vão!
Mas se a merda ficasse por aí, estaria ótimo e os shows já estavam rolando e
durante apresentação da banda METROPOLIXO(SP), Anastácio que já havia queimado
o filme dos integrantes da Ecatombe presentes e espalhado o ódio irracional por
lá, aproveitou que o álcool já havia feito um bom estrago na mente das pessoas
e convocou a todos para pegar os caras, e eu junto com o Morto, fomos levados a
participar deste ato que nunca me deu motivo de orgulho. A princípio, lembro de ter questionado isso, pedir para não fazer, Mortro também não queria, mas a turma do "vamo com isso"(oposto da turma do "deixa disso") foi mais forte nesse dia. Da minha parte, lembro
ter só batido com meu cinto de arrebites em um dos punks da Ecatombe que estava
presente no incidente de Anchieta e fora isso, foram mais gritos selvagens tipo
“Fora Fascistas” e coisas assim. Tivesse eu bebido muito menos, não teria
deixado me levar a este confronto que tanto eu quanto Morto, passamos o dia
evitando, mas que Anastácio, em pouquíssimo tempo, conseguiu fazer
explodir!
O pessoal da Ecatombe teve que correr, se proteger e até mesmo se refugiar em
hotel por conta dessa agressão. Quanto à outra parte, que nos envolvia,
retornamos ao show e lá ficamos na euforia dos tolos que não enxergam um palmo
a sua frente! Mais uma vez falo aqui, o álcool que bebi desde o momento que
pisei em Lavras por volta do amanhecer até a noite, já fazia muitos estragos em
minha cabeça e a capacidade de raciocínio nestes casos, equivale-se à
capacidade de um animal qualquer! No meio de tanta gente, de repente vi uma mão
me segurando e segurando outras pessoas. Eram policiais que levaram eu e mais
uns três presos! Os Punks Piratas, de Juiz de Fora, amigos da Ecatombe, haviam
chamado a polícia local e passeamos algemados de viatura e passamos a noite na
cadeia, na cela para ocorrências leves. No dia seguinte, por volta das 11 da
manhã, nos levaram para prestar depoimentos. Nesta hora, um dos Punks Piratas
falou ao delegado que um de nós tinha esfaqueado ou tentado esfaquear ele. O delegado veio nos perguntar sobre isso ainda de fora da sala de interrogatório.
Falei que isso era mentira e que se fosse verdade, porque não haviam falado
isso na noite anterior? O delegado percebeu que minha indagação fora perfeita e
foi lá falar de novo com o tal punk pirata. Não ouvi o que o delegado disse mas
pelos gestos foi um esporro que ele pagou.
Em seguida, cada um de nós entrava na sala para prestar depoimento
isoladamente. Eu fui o último. Lembro-me do delegado ser um cara novo e
conversamos bastante, inclusive, eu fui o que mais demorou a sair da sala! Ele
me perguntou porque a gente se vestia daquela forma e o porquê do cabelo
empinado, naqueles tempos moicano não era moda, e respondi que assim como os
grupos afros se vestem de forma a lembrar suas origens africanas, nós nos
vestíamos daquela forma como uma forma de expressão cultural e falamos sobre os
motivos da briga e tudo o que ocorreu. Acredito que não fomos fichados, pois
nunca nada me prejudicou. Já era tarde quando fomos liberados e fomos embora no
ônibus alugado pelo MAP/SP, só depois voltamos ao Rio de Janeiro.
Não me orgulho deste período, principalmente deste ocorrido. Tenho uma certa
dose de mágoa com o MAP/RJ (que o grupo de pessoas hoje, não é mais o mesmo) em relação ao fato de termos permitido que tudo chegasse a este ponto desnecessário, Também tenho uma certa dose de mágoa com a falecida Ecatombe e até mesmo comigo, porque naquele período, não
soubemos como administrar uma força tão poderosa quanto é a juventude que
tínhamos! Era a nossa época de criar coisas que se estenderiam para o nosso
futuro! Poderíamos ter criado um movimento punk forte aqui no Rio de Janeiro e
isso não aconteceu devido à ignorância e à principalmente intolerância!
Poderíamos ao invés disso, ter cometido algo mais grave do que ocorreu em
Lavras! Pessoas poderiam ter sido machucadas gravemente e até mesmo morrido por
pura estupidez de pessoas que pensavam que é punindo os outros com violência
que se resolvem as coisas! Erro! Erro animal e estúpido! Depois de Lavras,
houve o show dos Ramones no Circo Voador e ali pela Lapa, fui perseguido por alguns membros da Ecatombe e seria linchado por eles, não fossem meus amigos de Caxias. Me
colocaram para brigar com um deles, depois, pessoas da Ecatombe tentaram se
meter, a porrada estancou e um cara de um bar dispersou a Ecatombe dando tiros
pro alto! Fui levado ao hospital e ganhei três pontos na cabeça! Depois disso, resolvi dar um tempo do centro do Rio e dos punks por um ano, depois fui retornando aos poucos
e entre um bate boca e outro, fui recuperando respeito. Hoje as coisas estão
tranquilas, tirando um cara que quando me vê, me olha de cara feia, certa vez num show dos Varukers me deu um
empurrão pelas costas, querendo um motivo para eu arrumar uma confusão com ele.
Mas este tempo morreu! Já tenho 45 anos, sou um homem feito e tenho um filho
pequeno, não tenho tempo para perder com richas de tempos de moleques! O
importante de tudo é que as pessoas saibam, que tudo que fazemos aqui possui
consequências e por isso, devemos fazer o melhor! Devemos saber o que estamos
fazendo hoje para não pagarmos por um preço alto demais depois! Vivam em paz,
pela paz em todo mundo!
LEIAM, COMPARTILHEM, COMENTEM. A EXPERIÊNCIA DEVE SER COMPARTILHADA PARA
QUE ERROS SEJAM EVITADOS.
Gutemberg F. Loki, ex-Tubarão
(ex-MAP/RJ).